Amizade e Comunhão

Distinguindo laços humanos e a Unidade em Cristo
Texto Base: João 15:13-15; Efésios 4:3-6; 1 João 1:7; 1 Coríntios 10:15-21
Vivemos em tempos da igreja em que precisamos dizer o óbvio para os crentes: que jogar vólei com uma galera da igreja não é culto. E que amizade é diferente de comunhão. Muitos veem amizade como comunhão cristã, mas, na perspectiva bíblica, há uma distinção essencial entre laços humanos e a verdadeira unidade em Cristo. Nesta instrução, vamos explorar a diferença entre amizade terrena e comunhão espiritual, compreendendo como a fé em Cristo redefine nossos relacionamentos.
1. A Amizade Humana e Seus Limites
- A amizade natural é baseada em afinidades, gostos e interesses compartilhados. Muitas vezes, ela nasce do convívio, da empatia e da reciprocidade (Provérbios 17:17).
- No entanto, amizades humanas podem ser frágeis e passageiras, pois são influenciadas por emoções e circunstâncias (Provérbios 18:24).
- Enquanto homem, Jesus teve níveis diferentes de amizade: Lázaro e João foram considerados amigos íntimos (João 11:3; João 13:23). Pedro, Tiago e João estavam mais próximos dele em momentos especiais (Mateus 17:1; Marcos 14:33). Os Doze discípulos também compartilhavam uma amizade com Ele, mas em um nível mais amplo (Marcos 3:14-19).
- No grego bíblico, a palavra usada para amizade é "philia", que expressa afeição fraternal e companheirismo. Esse tipo de amizade está relacionada ao prazer da companhia mútua e à afinidade natural.
- Diferente da comunhão, a amizade é seletiva, pois escolhemos nossos amigos com base em afinidades e interesses. Observe João 15:13-16 que Jesus se apresenta como amigo no campo espiritual aos seus seguidores para mostrar que eles foram escolhidos.
2. Comunhão em Cristo: Um Chamado Superior
- Diferente da amizade humana, a comunhão em Cristo não se baseia apenas em afinidade nem em seletividade, mas na unidade do Espírito (Efésios 4:3-6).
- Somos chamados a viver em amor, perdoando-nos mutuamente e suportando uns aos outros, porque nossa comunhão está fundamentada em Cristo e não em sentimentos momentâneos (Colossenses 3:13-14).
- Na igreja primitiva, os cristãos compartilhavam seus bens devido ao contexto histórico-cultural, pois muitos eram expulsos das sinagogas e perseguidos por sua fé em Jesus, tornando essa prática uma necessidade diante da adversidade (Atos 2:42-47; João 9:22). Cuidado com a interpretação anacrônica! Viver em unidade era resultado da obra do Espírito Santo na vida dos crentes, promovendo um vínculo espiritual que transcendia circunstâncias externas.
- Os primeiros cristãos também se reuniam em lares porque não tinham como estabelecer congregações, santuários para culto por conta de serem judeus (possuíam sinagogas e o Templo) e posteriormente porque não podiam, devido a rejeição do império romano ao cristianismo como religião legalizada. Somente em 313 d.C., com o edito de tolerância, que vieram a possuir capelas e congregações para se reunirem em local propício. Nessa mesma linha de raciocínio, a prática da hospitalidade cristã envolvia recebimento dos cristãos nos lares por conta da expansão do Evangelho por meio dos cristãos que, ao se deslocarem de suas moradias por perseguição ou por missão, eram acolhidos pelos seus semelhantes, assunto bem solicitado pelos apóstolos tanto aos cristãos no geral (Rm.12.13; 1Pe.4.9) quanto aos bispos das igrejas (1Tm.3.2; Tt.1.7-9). A Bíblia nos exorta: "Põe raramente o teu pé na casa do teu próximo, para que não se enfade de ti, e te aborreça". (Pv.25.17). Ora, se o texto bíblico me orienta a não andar constantemente na casa do meu próximo devo obedecer a instrução divina. Lembrando que a tradução "próximo" do texto em português é um pouco defasada. Pois no texto hebraico é "rayah", substantivo masculino que quer dizer "amigo, companheiro, colega". (James Strong versão Premium). Essa mesma palavra aparece em Deuteronômio 13.6 cujas traduções colocam "amigo". Por exemplo: "Quando teu irmão, filho da tua mãe, ou teu filho, ou tua filha, ou a mulher do teu seio, ou teu amigo [rayah] que te é como a tua alma, te incitar em segredo, dizendo: Vamos e sirvamos a outros deuses, os quais nunca conheceste, nem tu nem teus pais". (temos aqui tanto a tradução "amigo" da palavra "rayah" quanto o que a amizade ou amor phileo é capaz de fazer: levar o amigo a seguir outros deuses).
- Como as reuniões cristãs e cultos ocorriam majoritariamente nos lares em tempos do Novo Testamento, temos várias advertências sobre o tipo de pessoas não recomendáveis de serem recebidas em lares na época: Pessoas com falsos ensinos (2Jo.1,9-11); que promovem divisões (Rm.16.17), exploradoras da vulnerabilidade emocional e espiritual alheia (2Tm.3.6-7); insubordinadas, fofoqueiras, contradizentes que contaminam casas inteiras com suas palavras (Tt.1.10,11); pessoas desocupadas, intrometidas e que se aproveitavam para sobreviver as custas dos outros sem trabalhar (2Ts.3.10-12); aquele que dizendo-se "irmão" sendo devasso, avarento, idólatra, fofoqueiro, beberrão, roubador, com o tal não se devia nem comer com ele (1Co.5).
- A comunhão cristã não envolve amizade, mas a união de todos os crentes como um só corpo em Cristo, independentemente de afinidades pessoais. Veja a benção apostólica: "A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós". (2Co.13.14).
- No grego koinê, a palavra para comunhão é "koinonia", que significa participação, compartilhamento e unidade espiritual. Diferente de "philia", "koinonia" enfatiza uma relação profunda baseada na fé e na comunhão com Deus que repercute na comunhão com os irmãos em Cristo. Em 1 João 1:7 nos ensina que a comunhão com Deus repercute na comunhão com os irmãos, pois se andarmos na luz, temos comunhão uns com os outros e o sangue de Jesus nos purifica de todo pecado, mostrando que a verdadeira comunhão está ligada à santidade e à redenção.
- O maior investimento em comunhão não são encontros ocasionais, mas pureza moral e conversão. Se uma igreja local está determinada a investir em comunhão, ela deve trabalhar mais a fundo a pureza moral e a conversão das pessoas em seus eventos.
- A comunhão é coletiva, pois envolve todos os que fazem parte do Corpo de Cristo, independentemente de afinidades pessoais.
3. A Comunhão Cristã e a Separação do Mundo
- O Credo Apostólico, em sua versão luterana, declara: "Creio no Espírito Santo, na santa igreja cristã, na comunhão dos santos", enfatizando que a comunhão dos crentes está fundamentada na obra do Espírito Santo e na santidade da igreja. Envolvendo uma esfera coletiva e não seletiva como ocorre com a amizade.
- O apóstolo Paulo faz um forte contraste entre a comunhão cristã e a comunhão com demônios em 1 Coríntios 10:15-21. Ele nos exorta a não participarmos da mesa do Senhor e da mesa dos demônios, mostrando que a verdadeira comunhão exige separação das práticas mundanas. Assim, a comunhão cristã não é apenas um relacionamento social, mas um vínculo espiritual que requer compromisso com Cristo e rejeição da influência maligna e mundana. Veja Tg.4.4 e 1Jo.2.15-16.
Resumo geral
COMUNHÃO cristã envolve: Koinonia, coletividade, santidade, redenção (também conversão), amor ágape, Espírito Santo, Igreja, irmandade da fé, o sobrenatural. Combate a entrada das obras da carne e do mal.
AMIZADE envolve: Philia, seletividade, relacionamento, predileção, amor phileo, alma humana (a alma de Davi se apegou a de Jônatas, 1 Sm.18.1), casa, amigos diversos, o natural. Fica a deriva tanto do bem quanto do mal.
CONCLUSÃO
Jesus é nosso maior exemplo de amizade e comunhão. Como homem, Ele teve amigos próximos, mas, como filho de Deus (divino), sua comunhão com os discípulos e com todos os crentes se deu e se dá em um nível espiritual, coletivo, por meio do Espírito Santo.
A amizade humana é um presente de Deus, mas a comunhão em Cristo é um chamado superior. Não devemos nos limitar a amizades cujos interesses são terrenos, além do mais, a amizade muitas vezes gera segregação, partidarismo e até outros males na igreja, prejudicando sua UNIDADE, que por sinal são obras da carne (Gálatas 5.19-21), enquanto que a comunhão bloqueia essas coisas, promovendo a unidade que glorifica a Deus e tem por referência o fruto do Espírito (idem v.22-23). Sendo vital para a vida da Igreja. Que nossos relacionamentos sejam direcionados para a comunhão, fortalecendo a igreja e testemunhando ao mundo o poder transformador do Evangelho.
Aplicação Prática:
- Reflita sobre suas amizades: Divide ou une sua igreja local?
- Busque relacionamentos que te levam à comunhão com Cristo, de relacionamentos santos e de redimidos. As amizades que você tem te aproximam de Deus? Te aproximam da igreja local em que você faz parte?
- Participe ativamente da comunhão na igreja local, sendo um instrumento de unidade. (Sl.133.1)
Que Deus nos ajude a distinguir amizade e comunhão, vivendo em amor e unidade para a glória de Seu nome. E não deixemos que a Igreja vire um clube social. Amém!