LIVRE-ARBÍTRIO

04/03/2025

A doutrina do livre-arbítrio é um tema fundamental em filosofia e teologia, que trata da capacidade humana de tomar decisões de forma independente, sem ser completamente determinado por fatores externos ou pela vontade divina.

O LIVRE-ARBÍTRIO NA VISÃO DOS PRINCIPAIS EXPOENTES DO CRISTIANISMO
Se considerarmos quem mencionou o livre-arbítrio primeiro no cristianismo, temos muitos nomes que vão até o século 16 d.C. O que percebemos no depoimento desses homens, exceto Agostinho, Lutero e Calvino, é que o livre-arbítrio NÃO desaparece durante a ação da graça preveniente sobre o ser humano.

Justino Mártir (100 a 165 d.C.) um dos primeiros apologistas cristãos, Justino defendeu o livre-arbítrio em suas obras, argumentando que Deus criou o ser humano com a capacidade de escolher entre o bem e o mal. Ele acreditava que o livre-arbítrio era essencial para a responsabilidade moral e que sem ele Deus seria injusto ao punir o pecado. A graça divina não era negada por ele, mas vista como um auxílio divino que iluminava e persuadia, sem anular a liberdade humana. O homem tem liberdade para aceitar ou rejeitar a graça, pois Deus deseja uma resposta voluntária. Frase emblemática: "Deus criou o homem com poder para escolher o bem ou o mal, para que a virtude pudesse ser genuína."
Perfil teológico de Justino nesse assunto:

• Defendeu que Deus criou o homem com livre-arbítrio e que ele tem a capacidade de escolher entre o bem e o mal.
• Acreditava que, embora a graça de Deus ajudasse, o homem era responsável por sua própria salvação.
• Combateu a ideia de que Deus predestinaria algumas pessoas ao pecado.
 
Ireneu de Lyon (130 a 202 d.C.) um dos primeiros teólogos cristãos a defender a ortodoxia contra o gnosticismo, escreveu sobre o livre-arbítrio no contexto da responsabilidade moral e da relação do homem com Deus. Ele enfatizou que o livre-arbítrio era uma parte fundamental do plano de Deus para a humanidade. Ireneu defendia que Deus criou o ser humano com liberdade de escolha para que pudesse crescer espiritualmente ao escolher o bem. Ele acreditava que o livre-arbítrio era necessário para que o homem pudesse refletir a imagem de Deus e alcançar a comunhão com Ele. A graça divina era indispensável para a salvação, mas não obrigava o homem a segui-la. Frase emblemática: "Deus, em sua bondade, chama o homem à comunhão, mas não o força. O homem deve responder livremente ao chamado divino."

Perfil teológico de Irineu nesse assunto:
• Rejeitava a ideia de um determinismo divino que anulasse o livre-arbítrio.
• Argumentava que o homem foi criado para amadurecer e se aperfeiçoar, escolhendo livremente obedecer a Deus.
• Ensinava que Adão pecou voluntariamente, e a humanidade herdou as consequências do pecado, mas não uma culpa determinista.

Clemente de Alexandria (150 a 215 d.C.) um dos primeiros teólogos cristãos, ensinava que o ser humano tem liberdade de escolha e que Deus respeita essa liberdade. Ele via o livre-arbítrio como um dom de Deus que permite ao ser humano escolher o bem ou o mal. Clemente enfatizava que a graça de Deus não elimina a responsabilidade humana, mas coopera com a vontade livre da pessoa. Ele acreditava que a liberdade era essencial para a moralidade e a responsabilidade. Para Clemente, sem livre-arbítrio, não haveria mérito na virtude ou culpa no pecado. A graça divina ilumina o entendimento humano, ajudando o homem a discernir entre o bem e o mal. A graça não anula o livre-arbítrio, mas o orienta e fortalece. Ele defendia a cooperação entre a graça e o esforço humano: Deus oferece ajuda, mas cabe ao homem aceitá-la ou rejeitá-la. Frase emblemática: "A graça de Deus está sempre presente, mas cabe ao homem usá-la livremente para buscar a virtude."

Perfil teológico de Clemente nesse assunto:
• Ensinava um sinergismo entre a vontade humana e a graça divina.
• Para ele, Deus oferece a salvação a todos, mas cabe ao homem aceitá-la ou rejeitá-la.
• O livre-arbítrio era fundamental para o crescimento espiritual e moral.

Tertuliano (155 a 220 d.C.) um dos primeiros escritores em latim cristão, também abordou o tema do livre-arbítrio. Ele defendia que o ser humano tinha uma liberdade intrínseca para escolher entre o bem e o mal, mas reconhecia que essa liberdade estava sujeita às consequências do pecado. Tertuliano argumentava que Deus criou o homem com a capacidade de escolher, mas que a queda de Adão trouxe uma tendência ao pecado. No entanto, ele não via o livre-arbítrio como completamente destruído. O homem tinha liberdade de escolha, mas essa liberdade foi enfraquecida pelo pecado. A graça divina era necessária para capacitar o homem a fazer o bem, superando a inclinação ao mal causada pelo pecado. Tertuliano rejeitava qualquer ideia de determinismo, defendendo que a graça não eliminava a liberdade do homem, mas o ajudava a escolher corretamente. Frase emblemática: "Deus nos dá a capacidade de escolher, mas a graça é o auxílio necessário para vencer o mal e viver na justiça."

Perfil teológico de Tertuliano nesse assunto:
• Via o livre-arbítrio como parte essencial da natureza humana dada por Deus.
• Acreditava que a escolha moral era necessária para o verdadeiro amor e obediência a Deus.
• Rejeitava qualquer ideia de determinismo, enfatizando que o homem era responsável por suas ações.

Orígenes (185 a 253 d.C.) foi um defensor firme do livre-arbítrio humano. Ele acreditava que Deus criou os seres humanos com uma vontade livre e racional, permitindo-lhes escolher entre o bem e o mal. Para ele, essa liberdade era essencial para a dignidade moral e espiritual do ser humano. Orígenes interpretava a queda dos seres humanos e dos anjos como resultado do mau uso do livre-arbítrio. Segundo ele, Deus criou todos os seres com igualdade de condições, mas alguns escolheram se afastar de Deus, enquanto outros permaneceram fiéis. Orígenes reconhecia a necessidade da graça divina para ajudar os seres humanos a se voltarem para Deus, especialmente após a queda. Contudo, ele não via a graça como irresistível. Para ele, a graça cooperava com a liberdade humana, mas não anulava a necessidade de uma resposta ativa por parte do indivíduo. A graça divina Fornece iluminação e apoio, mas a salvação depende da cooperação do homem. A graça e o livre-arbítrio trabalham juntos no processo de salvação, mas o livre-arbítrio desempenha papel central. Frase emblemática: "Deus concede ajuda ao homem, mas cabe a ele se esforçar por sua própria salvação."

Perfil teológico de Orígenes nesse assunto:
• Afirmava que Deus concedeu ao homem um livre-arbítrio absoluto, sendo este o motivo da queda e da necessidade da redenção.
• Sua teologia era fortemente sinergista, acreditando que a salvação vinha da colaboração entre Deus e o homem.
• Defendia que até os demônios poderiam, em última instância, ser restaurados a Deus (teoria da Apocatástase), o que foi posteriormente rejeitado pela Igreja.

Agostinho de Hipona (354 a 430 d.C.) especialmente em suas obras como Confissões e De Libero Arbitrio. Agostinho defendia que o ser humano possuía liberdade para escolher entre o bem e o mal, mas, devido à corrupção do pecado original, precisa da graça divina para realizar o bem. Ele reconhecia o livre-arbítrio na vida natural, porém guiado pela graça comum sem a qual nem isso o homem saberia escolher o certo ou fazer o que é certo nessa vida. O livre-arbítrio era originalmente pleno, mas enfraquecido pelo pecado. Sem a graça, o homem é incapaz de escolher o bem. Segundo Agostinho a graça divina é absolutamente necessária, eficaz e irresistível para a salvação.
A doutrina do livre-arbítrio foi prejudicada no contexto do debate entre Agostinho e Pelágio, um monge britânico. Esses dois homens criaram os extremos sobre o assunto. Pelágio afirmava que o homem tinha plena liberdade para fazer o bem sem a necessidade da graça divina, seja para a vida natural ou espiritual, enquanto Agostinho argumentava que a graça era indispensável nos dois aspectos. Sendo comum a todos na vida natural e especial na vida espiritual agindo apenas nos predestinados. Esse debate levou Agostinho a desprezar o sinergismo ensinado pelos pais da igreja e ir para o extremo do monergismo e levou Pelágio a deturpar o sinergismo exposto pelos pais da igreja. Enfim, a celeuma dos dois comprometeu o pensamento equilibrado sobre livre-arbítrio.

Perfil teológico de Agostinho nesse assunto:
• No início, seguiu a tradição dos pais da igreja, mas depois, em resposta a Pelágio, passou a defender o livre-arbítrio apenas na vida natural. Descartando a sua existência na soteriologia.
• Tinha o pensamento sinergista do pais da igreja, depois tornou-se monergista. Sendo ele o pioneiro dessa doutrina.
• Afirmava que, devido ao pecado original, o homem estava escravizado pelo pecado e incapaz de escolher o bem sem a graça divina.
• Defendia a graça preveniente e irresistível, que transforma o coração do eleito para que ele deseje Deus.
• Sua teologia influenciou o pensamento da predestinação na Idade Média e no Calvinismo.

Pelágio (360 a 420 d.C.). Ele era monge e provavelmente originário da Grã-Bretanha. Ele se envolveu ativamente com debates teológicos, especialmente com Agostinho de Hipona, sobre questões como o pecado original e a graça divina. Pelágio foi um defensor da ideia de que os seres humanos ainda mantinham a capacidade de escolher entre o bem e o mal, mesmo após a queda de Adão. Ele acreditava que a natureza humana não foi corrompida pelo pecado original a ponto de impedir o livre-arbítrio. Ele sustentava que os seres humanos ainda tinham a capacidade de escolher o bem, sem precisar da ajuda sobrenatural de Deus. Para ele, a liberdade de escolha era inalienável e essencial à natureza humana. Pelágio afirmava que a graça divina não era essencial para a salvação, mas sim uma ajuda adicional que Deus oferecia para aqueles que desejassem fortalecer a sua vontade. Ele negava a doutrina do pecado original como ensinado pelos pais da igreja, acreditando que as pessoas poderiam seguir a lei de Deus sem a necessidade de uma graça especial. Para ele, a moralidade e a salvação dependiam da escolha livre do ser humano. Pelágio restringiu a graça comum à liberdade e a capacidade humana de exercer o livre-arbítrio. Frase emblemática: "A capacidade de fazer o bem está naturalmente presente em todos os homens."

Observação: Muito pouco se sabe sobre o material de Pelágio, e seus escritos foram perdidos ou destruídos após ele ser condenado como herege. A maior parte do que conhecemos sobre Pelágio e suas doutrinas vem de críticas e refutações feitas por teólogos como Agostinho, que foram as principais fontes de informações sobre as suas ideias. Pelágio foi condenado como herege no Concílio de Cartago (418 d.C.), e seus ensinamentos foram rejeitados como contrários à doutrina oficial da Igreja. A condenação foi ratificada no Concílio de Éfeso (431 d.C.), que também tratou da questão do pecado original e da graça. Como resultado dessa condenação, os escritos de Pelágio foram considerados heréticos, e muitos deles foram queimados ou destruídos pela Igreja. Portanto, não sabemos ao certo se o que Pelágio afirmava era exatamente o que sabemos dele hoje. Equiparando as fontes que trazem suas afirmações com as afirmações dos pais da igreja, dentre os vários erros doutrinários, o seu principal foi negar a graça divina como fundamental na redenção humana. Promovendo um conflito teológico profundo com o pecado original e suas consequências. Deixando a culpa de Adão por conta dele e não para sua posteridade. Sendo assim desnecessário graça para salvar o homem, onde ele mesmo deve buscar por uma reaproximação de Deus por meio de seu livre-arbítrio.

Tomás de Aquino (1225 a 1274 d.C.) trouxe de volta ao cenário da igreja a teologia sinergista dos pais da igreja sobre o livre-arbítrio, conciliando-o com a soberania divina. Por quem a temática do assunto deu baliza inicial ao catolicismo romano, inclusive à sua soteriologia, porém a doutrina oficial da igreja veio a ser consolidada nesses aspectos no Concílio de Trento (1545 a 1563 d.C.). Tomás de Aquino dizia que o livre-arbítrio é uma faculdade essencial do ser humano, funcionando em cooperação com a graça divina. Sustentando que: 1) O homem tem liberdade genuína, mas é limitado por sua natureza e inclinação ao pecado. 2) A graça divina capacita a vontade humana, permitindo escolhas alinhadas com o bem supremo. 3) A soberania de Deus e o livre-arbítrio humano coexistem em harmonia, sem contradição. Ele via o livre-arbítrio na vida natural redigido pela graça comum para o bem natural. Uma providencia divina. Segundo ele o homem pode escolher, mas depende da graça para agir de forma salvífica. A graça divina é necessária e eficaz, mas não irresistível. A graça previne e capacita o homem, mas ele pode resistir. Enfim, o livre-arbítrio opera em cooperação com a graça, sendo ambas indispensáveis para a salvação. Frase emblemática: "O livre-arbítrio opera em cooperação com a graça, sendo ambas indispensáveis para a salvação".

Perfil teológico de Tomás de Aquino nesse assunto:
• Buscou um equilíbrio entre livre-arbítrio e graça divina. Assemelhando-se aos pais da igreja.
• Concordava com Agostinho que a graça preveniente é necessária, mas acreditava que o homem poderia cooperar com ela.
• Sua visão foi adotada pela Igreja Católica, defendendo um sinergismo pontuado assim: a graça inicia a salvação, mas o homem precisa responder positivamente.

Martinho Lutero (1483 a 1546 d.C.) pioneiro da Reforma Protestante, monge agostiniano, trouxe em seu acervo de reforma as ideias agostinianas sobre livre-arbítrio. Lutero abordou a questão do livre-arbítrio em sua obra "Da Vontade Escrava" (De Servo Arbitrio), escrita em 1525, como resposta a Erasmo de Roterdã, que defendia o conceito de um livre-arbítrio humano cooperante com a graça divina. Nessa obra, Lutero defendeu o que pode ser chamado de uma visão radicalmente agostiniana. Ele acreditava que, após a queda, a vontade humana é completamente incapaz de buscar ou responder a Deus por conta própria. Ele argumentava que o homem natural pode fazer escolhas "terrenas" (boas ações, decisões éticas), mas em questões espirituais está totalmente dependente da graça soberana de Deus. A regeneração e a fé são exclusivamente atos da graça de Deus, sem qualquer contribuição humana. Assim, para Lutero, o livre-arbítrio não tem papel algum na salvação. Para ele, o exercício do livre-arbítrio na vida natural está debaixo da graça comum refreando o mal e sustentando a ordem. O livre-arbítrio é inexistente em assuntos espirituais. O homem está escravizado ao pecado e incapaz de buscar a Deus por si só. Sendo a graça divina absolutamente necessária e irresistível. Somente Deus, por meio da graça, pode redimir o homem. Sendo a salvação inteiramente obra de Deus, sem contribuição humana. Frase emblemática: "O livre-arbítrio é uma palavra vazia, pois o homem está totalmente cativo ao pecado."

Perfil teológico de Lutero nesse assunto:

• Como monge agostiniano herdou o pensamento monergista, desprezando totalmente o sinergismo dos pais da igreja e de Tomás de Aquino.
• Rejeitava o livre-arbítrio no tocante a salvação.
• Em seu livro "De Servo Arbitrio" (Do Cativeiro da Vontade), argumentou que o homem está completamente escravizado pelo pecado e só pode ser salvo pela graça soberana de Deus.
• Defendia a predestinação e negava que o homem pudesse cooperar com Deus para ser salvo.

João Calvino (1509 a 1564 d.C.) amplificou a teologia reformada de Lutero, bem como reverberou e aprofundou o pensamento de Agostinho, especialmente no tocante à soberania de Deus e à dependência humana da graça para a salvação. Calvino é muitas vezes descrito como um "agostiniano radical" por enfatizar aspectos específicos da teologia de Agostinho. Pois ambos concordavam que, devido à queda, o ser humano perdeu completamente a capacidade de buscar ou responder a Deus sem a graça divina. Para ele, a graça comum está evidente na criação e cultura no tocante ao livre-arbítrio na vida natural, mas insuficiente para salvação na vida espiritual. Porém, apesar de Calvino se basear fortemente em Agostinho, há diferenças de ênfase:
Agostinho reconhecia uma cooperação passiva entre a graça divina e a vontade humana regenerada. Em contraste, Calvino negava qualquer participação humana, insistindo que toda a obra da salvação é exclusivamente de Deus, desde a eleição até a perseverança
Calvino, no entanto, colocou um foco ainda maior na soberania de Deus e na ausência de qualquer papel humano na salvação, interpretando a liberdade humana como completamente subordinada à predestinação divina. Frase emblemática: "O livre-arbítrio é um termo que soa bem, mas que, na realidade, é completamente falso. O homem é escravo do pecado e só pode escolher o mal até que seja regenerado pela graça de Deus."

Perfil teológico de Calvino nesse assunto:
• Aprofundou e expandiu o pensamento de Agostinho. Desenvolveu o monergismo.
• Seguiu Lutero na negação do livre-arbítrio para a salvação.
• Defendia a predestinação incondicional: Deus escolhe quem será salvo e quem será condenado.
• O livre-arbítrio só existiria na esfera natural (decisões cotidianas), mas não na salvação.

Jacó Armínio (1560 a 1609). Ele concordava com Agostinho que a salvação é impossível sem a graça divina e reformulou o conceito de graça preveniente, ou seja, a graça que precede a ação humana capacitando-o a responder à salvação, correspondente ao que foi disposto no Concílio de Orange (529 d.C.) no apêndice entre os 25 cânones de repúdio ao pelagianismo: "... através do pecado de Adão, nossa liberdade foi depravada e debilitada a tal ponto que, sem a graça da prevenção (preaveniret) misericordiosa de Deus, ninguém poderia amar a Deus como convém, nem crer nele, nem fazer o que é reto". (Documento de Igreja, p.98).
Jacó Armínio veio a defender essa graça preveniente, mas com uma visão diferente. Entre a visão de Armínio e a de Agostinho (e o concílio) é que, para Agostinho e o Concílio de Orange, a graça preveniente é irresistível e é dada de forma eficaz para a salvação, enquanto Armínio sustenta que, embora a graça seja necessária, o ser humano pode resistir a ela. Ele acreditava que a resposta humana à graça não é determinada por Deus, mas deixada ao livre-arbítrio de cada pessoa. Isto é, a graça divina não é ineficiente, a questão está no livre-arbítrio que lhe é inerente que, quando liberto pela graça preveniente para responder ao chamado à vida espiritual, ele pode resistir. Comparando com o pensamento de todos: Justino Mártir, Clemente de Alexandria, Irineu, Tertuliano, Orígenes, Agostinho, Pelágio, Lutero, Calvino e Tomás de Aquino. O pensamento de Jacó Armínio, embora tenha pontos em comum com Tomás de Aquino, ele não seguiu a visão tomista da graça eficaz, tornando-se mais próximo da tradição dos Pais da Igreja do que este. Em termos de teologia católica e protestante, são totalmente diferentes. Tomás de Aquino desenvolveu sua doutrina de graça e livre-arbítrio dentro do contexto católico romano, onde os assuntos se integram ao um sistema sacramental, sendo mediada pela Igreja e pelos sacramentos. A salvação é um processo contínuo que depende de boas obras, da participação nos sacramentos e da cooperação constante com a graça de Deus. Jacó Armínio, por outro lado, desenvolveu sua visão de graça e livre-arbítrio dentro da tradição reformada, que enfatiza a fé pessoal e a resposta individual à graça divina. Embora também reconheça a necessidade da graça preveniente, o foco de Armínio está na fé como meio de resposta ao evangelho e na liberdade individual de cooperar ou resistir a essa graça, sem a centralidade dos sacramentos ou das obras como no catolicismo. O homem é salvo para as boas obras e não por meio delas. Sendo essas boas obras baseadas na Bíblia Sagrada como exclusiva Palavra de Deus e ponto final em questão de fé, religião e doutrina. Reconhecendo a suficiência de Cristo, da fé, da graça e a glória a Deus somente. Como todo o protestantismo assim ensina. Frase emblemática: "O livre-arbítrio é a capacidade da vontade humana de escolher o bem ou o mal, mas essa capacidade não é exercida sem a graça de Deus, que ilumina o entendimento e fortalece a vontade."

Perfil teológico de Armínio nesse assunto:
• Rejeitou o determinismo e monergismo de Lutero e Calvino, defendendo um sinergismo semelhante ao dos Pais da Igreja.
• Afirmava que a graça preveniente liberta o livre-arbítrio, permitindo que o homem escolha entre aceitar ou rejeitar a Deus.
• Criou o conceito de eleição condicional, onde Deus escolhe salvar aqueles que responderem positivamente à graça, conforme sua presciência.
• Seu pensamento originou o Arminianismo, que influenciou os metodistas e outras denominações protestantes/evangélicas tradicionais e pentecostais.

Conclusão histórica:
Ao longo da história cristã, o livre-arbítrio foi interpretado de maneiras diversas:
• Os Pais da Igreja (Justino, Clemente, Irineu, Orígenes, Tertuliano) foram pioneiros do sinergismo, onde a graça e a vontade humana trabalhavam juntas.
• Agostinho rompeu com essa tradição, defendendo a depravação total e a necessidade de uma graça irresistível. E tornou-se pioneiro do monergismo.
• Tomás de Aquino tentou equilibrar os dois pontos de vista (era um monergista moderado), defendendo a cooperação do homem com a graça.
• Lutero e Calvino negaram o livre-arbítrio na salvação, defendendo a soberania absoluta da graça. Um radicalizou o monergismo e o outro sistematizou.
• Jacó Armínio retomou a visão dos Pais da Igreja, aprofundando e difundido a doutrina de que a graça preveniente restaura o livre-arbítrio para que o homem possa aceitar ou rejeitar a salvação. Equiparando com o ensino de Calvino sobre a depravação total, sendo que ele chamava de alienação total.

Olhando para a história de todos esse homens, podemos dizer que o livre-arbítrio no tocante a vida natural, a opinião de todos converge e se apresenta ser um ponto pacífico. Porém, no tocante ao livre-arbítrio na vida espiritual, ocorre uma divergência por parte de Agostinho, Lutero e Calvino com os pais da igreja, Tomás de Aquino e Jacó Armínio. Por fim, há uma divergência de todos citados aqui com Pelágio.

O LIVRE-ARBÍTRIO SOB A LUZ DA BÍBLIA SAGRADA

Nada melhor do que a Bíblia para nos orientar nessa divergência histórica no tocante ao livre-arbítrio na vida espiritual. Ainda mais no ponto pacífico de todos sobre o livre-arbítrio na vida natural.

Vejamos algumas passagens bíblicas sobre o livre arbítrio como filosofia de vida:

Eclesiastes 11:9 – "Alegra-te, jovem, na tua juventude, e recreie-se o teu coração nos dias da tua mocidade; anda pelos caminhos que satisfazem ao teu coração e agradam aos teus olhos; sabe, porém, que por todas estas coisas Deus te trará a juízo."
Explicação: O jovem é encorajado a fazer escolhas, mas sabendo que será responsabilizado por elas.

2 Coríntios 9:7 – "Cada um contribua segundo propôs no seu coração, não com tristeza ou por necessidade; porque Deus ama ao que dá com alegria."
Explicação: Paulo ensina que a doação deve ser voluntária, indicando que há liberdade para escolher contribuir ou não.

Mateus 5:39-41 – "Eu, porém, vos digo que não resistais ao mal; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra; e, ao que quiser pleitear contigo e tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa; e, se qualquer te obrigar a caminhar uma milha, vai com ele duas."
Explicação: Jesus ensina que as pessoas podem escolher como reagir às injustiças, optando por um comportamento pacífico.

Pensamento em foco: A todo momento somos colocados em nossas vidas diante das escolhas de ficar solteiros, casarmos, divorciarmos, despertencer, ir embora, voltar, comprar, vender, receber, rejeitar, etc. Porém, sofremos as consequências dessas escolhas.

Vejamos algumas passagens bíblicas sobre o livre arbítrio no plano da redenção:

No tocante a vida espiritual, a salvação, a aproximação do Deus verdadeiro, se olharmos para a Bíblia sem influência do pensamento de Agostinho, Lutero e Calvino encontraremos uma resposta bem clara e objetiva. Por exemplo:

Lucas 9.23: "E dizia a todos: Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome cada dia a sua cruz, e siga-me".
Explicação: Nessa passagem encontramos a condicional na frase grega do Novo Testamento: "eis tis thelei" significa "se alguém quer" ou "se alguém deseja". Escolher Jesus é um passo fundamental, intransferível e decisivo na salvação de uma pessoa. Jesus deixa bem claro aqui o livre-arbítrio na questão da salvação da maneira como os pais da igreja ensinavam, modo sinergista. Outra parte importante dessa passagem é "negue-se", essa palavra vem de "arnesastho", que significa "negar, rejeitar, renunciar" em conexão com "heauton" significa "a si mesmo" indicando que a negação deve ser voltada a própria pessoa. Uma escolha singular que só alguém com livre-arbítrio poderia fazer. E alguém faz isso como? Sendo escravo do pecado? (ver Ef.2.1-3; Jo.8.34; 1Jo.1.8). Aqui é onde entra o pensamento de Tomás de Aquino e Jacó Armínio. Em que a graça preveniente habilita a capacidade humana do livre-arbítrio para que atenda ao desafio de Jesus. No caso de Armínio, para que também escolha não atender ao chamado. Depositando toda a responsabilidade de consequência sobre a pessoa.

1 João 1.7: "Mas, se andarmos na luz, como ele na luz está, temos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo o pecado".
Explicação: Nessa passagem encontramos também uma condicional na frase grega do Novo Testamento: "ean de en to photi peripatomen" – "se andarmos na luz". Onde a construção "ean" + verbo no subjuntivo (peripatomen – "andarmos") indica uma condição hipotética, ou seja, algo que pode ou não acontecer. O que torna decisivo todas as demais consequências de termos ou não a comunhão cristã e a purificação dos pecados. Nota-se nessa mensagem de João que o livre-arbítrio torna-se decisivo na coisas espirituais. Como a graça preveniente é manifesta a todos os homens (ver Tito 2.11), entendemos que, iluminados por essa graça divina, a humanidade tem o livre-arbítrio capacitado para que a escolha de andar na luz venha a ser iniciada e continuada com uma resultante de comunhão com a igreja e tendo seus pecados purificados por Jesus, nosso sumo sacerdote nos céus (ver Hb.7.25,26).

Poderíamos ainda citar muitas outras passagens, como:

2Ts.1.7-9: "E a vós, que sois atribulados, descanso conosco, quando se manifestar o Senhor Jesus desde o céu com os anjos do seu poder, Com labareda de fogo, tomando vingança dos que não conhecem a Deus e dos que não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo; Os quais, por castigo, padecerão eterna perdição, longe da face do Senhor e da glória do seu poder".
Explicação: Essa passagem aponta para a realidade do livre-arbítrio no tocante a salvação ou perdição das pessoas. Considerando que o nosso Senhor Jesus se manifestará do céu para trazer punição ou vingança (grego: ekdikesis) sobre pessoas que "não conhecem a Deus" e "não obedecem ao evangelho". Ora, por que não conhecem a Deus ou não lhe obedecem? Essa passagem se torna vazia sem livre-arbítrio das pessoas. Como Deus trará vingança a quem ele nunca predestinou incondicionalmente para que o conhecesse ou lhe obedecesse? Sendo que elas "padecerão eterna perdição, longe da face do Senhor e da glória de seu poder". O livre-arbítrio é o elo perdido dessa passagem.

Rm.10.8,9:
"Mas que diz? A palavra está junto de ti, na tua boca e no teu coração; esta é a palavra da fé, que pregamos, A saber: Se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo".
Explicação: Mais uma vez temos uma condicional aqui nesse versículo. O apóstolo Paulo coloca grega "ean" para expressar possibilidades, incertezas e condições, atrelando-a aos critérios que acompanham confessar Jesus como Senhor e crer que ele ressuscitou. Seu significado literal é "se, no caso de" (James Strong). Isso significa que a salvação está condicionada à resposta humana, mas não é algo automático ou inevitável. Paulo não está dizendo que todos irão confessar e crer, mas sim que se alguém cumprir essas condições, então será salvo. A forma como o texto é construído aqui, deixa lúcido que o livre-arbítrio é cooperante com a graça divina na confissão com a boca que Jesus é o Senhor e no crer no coração que Jesus ressuscitou. Isto é, o livre-arbítrio age também no campo espiritual.

Mt.10.32.33:
"Portanto, qualquer que me confessar diante dos homens, eu o confessarei diante de meu Pai, que está nos céus. Mas qualquer que me negar diante dos homens, eu o negarei também diante de meu Pai, que está nos céus".
Explicação: Esse outro texto o apóstolo Paulo usa o verbo grego "homologeo" que traduzimos acima por "confessar" significa "concordar, assentir, declarar, confessar". O verbo pede uma ação, isso é uma questão sine qua nom. Logo, o livre-arbítrio mais outra vez é evidente no plano da salvação.

Passagens como estas, e outras não citadas aqui, remetem ao pensamento inicial dos pais da igreja sobre o livre-arbítrio atuando em conjunto com a graça divina (Ef.2.8,9). Mostrando que o texto bíblico sozinho, sem uma interferência dogmática e externa, mas apenas contextual, nos aponta que o livre-arbítrio não ocorre apenas nas questões terrenas, mas na salvação da alma, nas coisas espirituais.

Toda e qualquer passagem bíblica que leve à uma aparente interpretação de predestinação, de eleição divina incondicional, de visão monergista, pode ver o contexto local e geral do texto da Bíblia que estará sob a orientação da presciência de Deus (ver 1Pe.1.2; Sl.139.1-18; Hb.4.13) e sob a graça capacitadora, onde Deus capacita a pessoa para crer, obedecer, amá-lo, querê-lo, buscá-lo, servi-lo e recebê-lo. Porém, isso não ocorre de modo passivo. Há da nossa parte uma resposta livre. Se não existe uma atividade da nossa parte, tudo isso não é real: crer, obedecer, amar, querer, buscar, servir e receber. Toda nossa relação com Deus é produto de uma automação divina.

O profeta Moisés relatou o que Deus disse no famoso Shema: Amarás o Senhor teu Deus (Dt.6.5). Pelo qual foi ratificado por Jesus como o primeiro e o maior de todos os mandamentos (Mt.22.37,38). Tal atitude só pode ocorrer de fato e de verdade se existir: graça capacitadora e livre-arbítrio. Como amar a Deus um pecador totalmente alienado acerca do caminho, da verdade e da vida espiritual se não for a graça de Deus capacitando e Jesus chegando até ele? E como amar a Deus numa relação verdadeira se não for pelo seu livre-arbítrio?

Veja que, de acordo com 1Co.13.7, é o amor que nos faz acreditar. Logo a fé está intimamente ligada ao amor. Por isso, as afirmações neotestamentárias sobre a fé são produto de amor (agape), onde "pisteuo" (traduz-se "crer") significa "acreditar ser verdade, confiança". Na passagem de Efésios 2.8 aparece "pistis" (traduz-se "fé") é "uma convicção ou crença concernente à relação do homem com Deus e coisas divinas, geralmente com a ideia inclusa de confiança" (James Strong). Assim, o amor a Deus nos leva a confiar em Deus. Se o livre-arbítrio é inexistente na relação homem – Deus, esse "amor" não é legítimo e esse relacionamento não é verdadeiro. A ideia de que o pecado original anulou o livre-arbítrio é fraca, pois fere o princípio básico da reciprocidade. Em João 3.16 está escrito:

"Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna".

Considerando que o amor gera confiança, como aquele que crê vai crer ou corresponder a esse amor de Deus com amor e confiança se o livre-arbítrio não lhe for restaurado? Se a vontade é renovada para desejar e escolher a Deus não temos uma relação com reciprocidade, mas uma programação divina! Não teria o menor sentido o 1o e maior mandamento da Bíblia!

CONCLUSÃO

O amor que sentimos por Deus é verdadeiro, é fruto da graça capacitadora e de nosso livre-arbítrio. Esse sinergismo foi sinalizado pelos pais da igreja, mas foi eclipsado pela celeuma entre Agostinho e Pelágio. Teve um resgate com Tomás de Aquino, Jacó Armínio e também com John Wesley. Os pensamentos extremos de Agostinho e Pelágio até hoje afastam-nos da moderação e complicam o entendimento da relação soberania divina e livre-arbítrio.
Que esse material venha a colaborar com os estudos bíblicos de todos que gostam de aprender mais sobre assuntos doutrinários da religião cristã.

Pr Daniel Durand (ThB) servo de Deus e vosso servo

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