Por que Deus não opera hoje os milagres que fazia antigamente?

Depois de muitos questionamentos de familiares, amigos, de membros da igreja que pastoreio, de ver muitos crentes abalados na fé por falta de uma resposta a essa pergunta, ou até mesmo muitos outros sucumbirem ao ceticismo. Depois de ver o abuso de muitos líderes de denominações neopentecostais em torno dos milagres, de ter que ver pentecostais se contraporem em um debate ferrenho com os tradicionais reformados sobre o continuar ou o cessar dos dons. De ver muitos crentes hoje estarem migrando para igrejas tradicionais reformadas conformados com a doutrina cessacionista. Sinto-me encorajado a responder essa pergunta.

Acredito que essa pergunta é a mais inquietante e a que gera as maiores controvérsias da igreja evangélica hoje, decidi pesquisar sobre o assunto e então trazer aos amados irmãos alguma coisa que possa ajudar no esclarecimento do assunto. Buscando acalmar os ânimos e levantar a confiança no Deus da Bíblia sem que venhamos a nos levar por uma exigência de evidências, de provas, uma vez que: "O justo viverá pela fé". (cf. Rm.1.17; Gl.3.11 e Hb.10.38). E sem ter que venhamos a deixar de ser pentecostais ou de crer que os dons cessaram.

Então, por que Deus não opera hoje os milagres que fazia antigamente? Alguns fazem está pergunta querendo sinceramente saber, outros questionam querendo dar entender que houve esfriamento no "poder" de algumas denominações comparando com outras que supostamente acontecem os "milagres". Outros, ainda, abandonaram o pentecostalismo aderindo de vez o tradicionalismo reformado.

A princípio, precisamos mostrar como eram os milagres bíblicos e como aconteciam. Este início de assunto trata diretamente com citações bíblicas que narram os milagres. Vou mostrar exemplos tanto no Antigo Testamento quanto no Novo Testamento.

Como eram?

• Os milagres eram sobrenaturais (Js.10.12-17; Mc.8.1-10);
• Os milagres desafiavam as leis da natureza (2Rs.6.1-7; Mt.14.25,29)
• Os milagres traziam reparação (2Rs.20.1-7; Lc.8.41,42,49-55)
• Os milagres aconteciam para a glória de Deus e de Cristo (Sl.106.7-11; Jo.11.4)

Como aconteciam?

• Instantaneamente (Êx.17.6,7; Mt.8.14,15; At.14.8-18)
• Raras vezes após um tempo (2Rs.5.1-19; Lc.17.11-19)
• Por meio da fé (Mt.9.20-22)
• Sem o uso da fé (Mt.9.2-8; Mc.7.31-37; Lc.13.10-17; Jo.11.17-44)
• Pela graça divina e não por méritos humanos (At.3.12)

Gostaria de colocar aqui a opinião dos homens que foram a continuação do alicerce de nossa fé cristã e protestante evangélica, que são os pais da igreja (líderes que deram continuidade à igreja no século II e III d.C.) e os reformadores (líderes que deram início à reforma da igreja cristã, século XVI d.C.). Para que eles participem de minha pergunta:

A opinião dos pais da igreja

São dignos de citação: Justino, o mártir (100-170 d.C.), Irineu (130-200 d.C.), Tertuliano de Cartago (150-230 d.C.), Orígenes (185-254 d.C.) e Cipriano (200-258 d.C.). Já que temos os nomes de alguns aqui, podemos fazer uma pergunta que nos ajudará a responder a principal: Houve milagres na época dos pais da igreja? Há controvérsias:

• Segundo Conyers Middleton, teólogo anglicano e bibliotecário da Universidade de Cambrigde (autor da obra "Uma Averiguação Franca dos Poderes Miraculosos"), os pais da igreja do século II e III fizeram referência a milagres, entretanto nenhum deles alega ter apresentado ou realizado algum com as próprias mãos. Ele diz que "os pais falam apenas do exercício dos dons espirituais de fé, de esperança e de amor". Então ele conclui que não há indícios diretos da existência de que dons de milagres tenham realmente existido nesta época. Concluiu-se então que os milagres cessaram com os apóstolos ou com os seus sucessores imediatos.
• Já C.Peter Wagner escreve que "os primeiros cristãos (isto é, do século II e III d.C.) alegavam ter o mesmo poder manifestado por Cristo, principalmente em sua obra de cura". John Wimber concorda, dizendo: "Segundo documentos históricos remanescentes, parece que durante os primeiros quatro séculos da história da igreja, milagres eram freqüentes". Cita-se, por exemplo, as afirmações de alguns pais como: Justino: "Porque os dons proféticos continuam em nosso meio, até hoje". Em outro texto ele diz: "... Um número incontável de endemoninhados através de todo o mundo, e na vossa cidade, exorcizados por nossos cristãos em nome de Jesus Cristo...". Irineu cita: "Pois há quem, com certeza e verdade, expulse demônios... Outros, por meio de imposição de mãos, curam enfermos, os quais são recuperados... até mortos foram ressuscitados e permaneceram muitos anos em nosso meio...". Também Orígenes: "... vimos muitas pessoas livradas de sérias aflições e de distúrbios mentais, de loucura e de outras doenças incontáveis...".

O certo é que há um exagero de ambas as partes, tanto os protestantes tradicionais reformados como os pentecostais e neopentecostais, pois querem tomar por base os dois primeiros séculos depois da morte dos apóstolos para formularem os argumentos a favor ou contra da existência dos milagres hoje. Entretanto, vejo que a resposta de nosso questionamento não virá por aqui. Deus é livre para escolher quando deve operar milagres e distribuir sinais e maravilhas entre seu povo e quando deve interrompê-los. Os milagres de Deus no tempo dos patriarcas: Abrão, Isaque e Jacó, por exemplo, com a morte de Jacó, somente depois de quatro séculos é que Deus retorna a realizar maravilhas no meio de seu povo através de Moisés, seu servo. Nesse intervalo de silêncio, viveram e morreram 15 ou 20 gerações do povo da antiga aliança. O mesmo vale para hoje. O recebimento de um milagre bem como do poder de operar sinais e maravilhas acontece segundo os propósitos soberanos de Deus e não pode ser controlado ou obtido pela vontade humana. Isso implica em dizer que Deus desconsidera todas as exigências de que deve haver milagres. Todos os sinais, maravilhas, prodígios, etc., são concedidos quando Deus assim desejar:

"Mas um só e o mesmo Espírito realiza todas estas coisas, distribuindo-as, como lhe apraz, a cada um, individualmente." (1Coríntios 12:11 ARA).

"Assim, pois, não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia." (Romanos 9:16 ARA).

"E esta é a confiança que temos para com ele: que, se pedirmos alguma coisa segundo a sua vontade, ele nos ouve." (1 João 5:14 ARA).

Outro ponto importante que devemos falar aqui é que, não devemos associar o desaparecimento dos milagres à falta de espiritualidade. E também não presumir que os milagres produzam fé ou conversão dos pecadores. Ou, ainda, apelar para o conformismo cessacionista. Pois a Palavra de Deus não apoia tais tipos de pensamentos. Vejamos algumas citações bíblicas:

Em At.3.12: "... Varões israelitas, por que vos admirais deste homem? Ou, por que fitais os olhos em nós, como se por nosso próprio poder ou piedade o tivéssemos feito andar?". Pedro alega que o milagre feito não tinha acontecido por causa da pureza ou santidade de sua parte.

Em Mt.7.23 Jesus disse: "...apartai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade...". Uma resposta aos operadores de sinais e maravilhas que fariam em seu nome, mas não tinham uma vida reta santa (cf. v.22). Obviamente o milagre, dons ou exorcismo não se associa a piedade de quem ora.

Em At.2.38 Pedro disse: "Pois para vós outros é a promessa, para vossos filhos e para todos os que ainda estão longe, isto é, para quantos o Senhor, nosso Deus, chamar." (Atos 2:39 ARA). Pedro falou isso em resposta à multidão que presenciou o derramamento do Espírito Santo no dia de Pentecostes, acompanhado de dons, conforme ele cita o profeta Joel (cf. At.2.17,18 compare Jl.2.28,29). Note que tal promessa refere-se aos filhos, os de longe, e por fim a todos os convertidos. Resumir o derramamento do Espírito precedido de dons apenas a era apostólica é contraditório ao que lemos aqui nessa passagem.

Em Mc.16.16 Jesus disse: "Estes sinais hão de acompanhar aqueles que creem: em meu nome, expelirão demônios; falarão novas línguas; pegarão em serpentes; e, se alguma coisa mortífera beberem, não lhes fará mal; se impuserem as mãos sobre enfermos, eles ficarão curados." (Marcos 16:17-18 ARA). Ora, ele não faria tal afirmação se houvesse um cessar deles durante o continuar da pregação do evangelho por todo mundo (cf. v.15). Se a pregação do evangelho continua, os sinais acompanham os que creem nesse evangelho.

Vemos na Bíblia um grande exemplo do povo israelita no êxodo. Mesmo depois dos grandes sinais realizados no próprio Egito, bem como do livramento da mão de faraó na travessia do mar Vermelho. Pouco tempo depois, já se queixavam das condições no deserto (Ex.16.2,3), e mais adiante já estavam trocando o Deus verdadeiro por um ídolo (Ex.32.4). O mesmo ocorreu com Saul, que foi ungido pelo Espírito Santo e profetizou em êxtase com os profetas (1Sm.10.9-12). Mas a impressionante experiência espiritual de Saul não fez que ele passasse a ter fé ou obediência. Pelo contrário, anos depois ele foi rejeitado por Deus, por causa de desobediência contumaz (1Sm.15.22,23). O que dizer de Sansão? Uma importante citação no Novo Testamento que quebra totalmente o mito de que milagres produzem fé ou conversão no povo é a história das três cidades que Cristo operou grandes milagres: Corazim, Betsaida e Cafarnaum. Pelas declarações de Cristo, vemos claramente que não produziram fé e nem contribuíram na conversão do povo (Mt.11.20-24). Na história do rico e o Lázaro também (Lc.16.19-31), observe que o rico pede a Abraão que mande a Lázaro pregar aos seus irmãos para não serem condenados como ele (v.27,28). Mas a resposta foi: "... Têm Moisés e os profetas; ouçam-nos". (v.29). Porém o rico tinha o mesmo pensamento que muitos evangélicos têm hoje, ele disse: "... Não! pai Abraão; mas, se alguém dentre os mortos for ter com eles, hão de se arrepender". (v.30). O rico acreditava que com o milagre da ressurreição de Lázaro, seus cinco irmãos se converteriam. Entretanto, palavra final foi: "... Se não ouvem a Moisés e aos profetas, tampouco acreditarão, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos". (v.31).

A opinião dos reformadores

Matinho Lutero (1483-1546 d.C.)

Em seu habitual estilo franco, ele disse: "... o tempo dos milagres já passou". Lutero, todavia, não se deu por satisfeito com isso, pois poderia haver quem pensasse que o fiel foi deixado por sua própria conta, isolado do poder de Deus. Portanto, ele explicava que os milagres, na verdade, ainda eram realizados na igreja, mas no sentido espiritual, isto é, "na alma". Em outras palavras, na era da igreja, os verdadeiros milagres são os da conversão, da regeneração e do poder para viver uma vida de santidade perante o mundo, a carne e o diabo. Embora de natureza espiritual, eles são importantes, à semelhança de seus correspondentes relatados na Bíblia.

João Calvino (1509-1564 d.C.)

Posteriormente, Calvino acrescentou ao seu texto "As Institutas" os seguintes dizeres: "Mas, hão cessado aqueles milagres de poderes e operações manifestas que eram distribuídos por imposição de mãos, nem deveram subsistir senão por um tempo. Pois, impôs-se que a nova pregação do Evangelho, o novo reino de Cristo, de milagres inauditos e inusitados fossem iluminados e magnificados...". A primeira parte deste texto é essencial: "Mas, hão cessado aqueles milagres de poderes..." Por quê? Porque a função dos apóstolos de conceder a revelação foi singular na história da igreja. Os milagres por eles realizados tinham por objetivo confirmar a veracidade do evangelho e fundar a igreja. Uma vez terminada essa tarefa, o poder de operar milagres foi retirado de uma vez por todas. Depois deles, ninguém tem direito ao poder de operar milagres, porque ninguém depois deles é portador de uma nova revelação. Ou seja, para Calvino, os milagres estavam ligados à revelação do santo Evangelho, uma vez encerrada a revelação, o poder de operar milagres também desapareceu.

Conclusão

Por que Deus não opera hoje os milagres que fazia antigamente?

Uma coisa é certa, os milagres bíblicos são bem mais exatos, instantâneos e substanciais dos que presenciamos na geração contemporânea. Norman Geisler valoriza essa diferença de qualidade, embora ele seja muito radical no trato com a questão, ele observa que os milagres de hoje não são os mesmos da Bíblia, pois raramente mostram-se instantâneos e quase sempre não são completos: "... os milagres da Bíblia não eram graduais nem parciais... [eram] 100% integrais. No caso das poucas curas imediatas no movimento de sinais e maravilhas de hoje, a maioria é claramente do tipo psicossomático... Não há nada de sobrenatural nesses tipos de cura". Eu não descarto a possibilidade de Deus realizar um genuíno milagre hoje, mas uma coisa nós devemos admitir, olhando para as centenas de milagres tanto do Antigo Testamento como do Novo Testamento, Deus não opera os milagres que fazia antigamente. Não que ele tenha mudado ou perdido os seus atributos (Hb.13.8). O problema é que muitos andam atrás da evidência deles e não é isso que a Bíblia afirma quando fala da imutabilidade de Deus. Agora, o porquê de Deus não evidenciar tanto os seus atributos como antigamente só vejo uma explicação: (diante de todas as opiniões aqui apresentadas) A de que as gerações da era apostólica receberam as primeiras chuvas do derramar de Deus, e creio que as gerações da era pós-apostólica foram e ainda estão recebendo as gotículas das chuvas que, obviamente, não são como as primeiras! O profeta Joel associou o agir de Deus, seus milagres e bênção a períodos de quadra chuvosa: "temporã" (malqovsh: primeiras chuvas) e "serôdia" (últimas chuvas, chuvas de primavera); e o profeta Zacarias falou pra pedir as "serôdias". Vejamos as passagens bíblicas:

"Alegrai-vos, pois, filhos de Sião, regozijai-vos no SENHOR, vosso Deus, porque ele vos dará em justa medida a chuva; fará descer, como outrora, a chuva temporã e a serôdia." (Joel 2:23 ARA).

"Pedi ao SENHOR chuva no tempo das chuvas serôdias, ao SENHOR, que faz as nuvens de chuva, dá aos homens aguaceiro e a cada um, erva no campo." (Zacarias 10:1 ARA).

Portanto, a minha resposta pessoal é que Deus não opera hoje com tanta frequência os milagres como antigamente, o derramar de Deus são como as chuvas temporãs. Mas não nego a possibilidade de que eles aconteçam hoje, embora com menos frequência, como ocorre com a chuva serôdia.

Gostaria de encerrar este assunto incentivando que devemos buscar este "derramar de Deus", não com uma cobrança que seja semelhante ao passado, mas sabendo que o fim se aproxima e o maior milagre que está para acontecer é o arrebatamento da igreja e sua glorificação (1Ts.4.16-18) e que ainda outros grandes prodígios e maravilhas Deus fará quando Cristo se manifestar em sua vinda. No momento, os sinais e maravilhas vão tomar espaço para a operação do erro e da maldade, na manifestação do Anticristo e do seu falso profeta, que já operam previamente em nossos dias (2Ts.2.7-10; Ap.13.11-18). Quanto a nós, estamos firmes na Palavra de Deus que nos diz: "... para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória a ser revelada em nós". (Rm.8.18). Questão encerrada.

Sola Scriptura

Pastor Daniel Durand, servo de Cristo e vosso servo.

Obras consultadas:

Sinais e Maravilhas, por Alan Pieratt, editora Vida Nova;

Bíblia digital Online 3.0, editora SBB módulo avançado;

Revista Defesa da Fé, edição 51, editora ICP - Instituto Cristão de Pesquisas.

Pr. Daniel Durand (ThB.) Por Cristo, com Cristo e em Cristo.